terça-feira, 2 de outubro de 2018

Rui Ramos, o cientista delirante

Rui Ramos do "Observador"
De volta e meia, visito o site do 'Observador'. Com idêntica irregularidade àquela com que vou ao café daquele homem atarracado, bruto e surdo, a quem tenho de pedir, três ou quatro vezes, uma 'bica' - um 'cimbalino', como dizem os meus amigos do Porto.
Hoje, foi dia de visita. Deparei-me com um texto de Rui Ramos, esse cientista liberal, que tem vivido predominantemente à custa de empregos públicos, ou seja, de dinheiros do Estado que abomina. 
Ramos começa este texto com uma inqualificável falácia:
"Jair Bolsonaro no Brasil, tal como Donald Trump nos EUA, são em grande medida o produto das esquerdas que agora gritam #EleNão. A essas esquerdas, é difícil deixar de dizer:#VocêsTambémNão.
Considerar que "as esquerdas" é que produziram Balsonaro e Trump é um intolerável topete de demagogo. A Ramos é exigido o rigor de análise de duas sociedades económicas e sociais completamente distintas e, consequentemente, com eleitores e agentes políticos diferentes. Mas, do absurdo parágrafo, podem fazer-se interpretações lógicas; destaco duas:
1) Como Ramos é obsessivo na oposição "às esquerdas", acaba por simular a culpa "das esquerdas" para omitir como ele, de facto, aprecia Bolsonaro e Trump - percebe-se que usa a cabala "das esquerdas" para dissimular simpatia pelos dois políticos.
2) Mais abaixo, no texto, mete-se por caminhos especulativos e aberrantes, ao escrever: "Mas é legítimo suspeitar que, mesmo que fosse o político mais cordato e respeitador do mundo, estaria neste momento a ser tratado exactamente da mesma maneira, como a encarnação do mal absoluto." Esta especulação é de uma desonestidade intelectual aviltante.
Ramos, prossegue, depois na saga de falaciosas suposições e alegações. Chama Ronald Reagan, John McCain e Mitt Rommey à conversa, alegando que "as esquerdas" os acusaram de pretenderem "acabar com a democracia americana, restabelecer a escravatura, rebaixar as mulheres e provocar uma guerra nuclear." Nunca li ou ouvi tal coisa. Ramos é de Torres de Vedras, região de bom vinho, mas também de vinho martelado. Provavelmente o delírio do cientista político foi causado por este último.  

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Respeito por Charles Aznavour


Charles Aznavour faleceu hoje, com 94 anos de idade. Soube da notícia pelo 'Público'. O jornal comete um erro, quando informa que o famoso cantor só actuou em Portugal duas vezes: em 2008 e 2016. Não é verdade. Muito antes, nos anos 1960, assisti a um espectáculo seu, no destruído Teatro Monumental. "La Mamma' e 'Et Pourtant' eram, então, os seus sucessos em voga.
Em homenagem a Aznavour, recorri, não por acaso, à canção 'La Bohème', cujos primeiros três versos dizem:

Je vous parle d'un temps
Que les moins de vingt ans
Ne peuvent pas connaître
...



Portugal e o Mundo

Portugal foi o pioneiro do universalismo histórico. Efectivamente, a História regista a expansão dos portugueses no mundo como política precursora em relação a outros povos. 
Chamaram a tais tempos a 'Época dos Descobrimentos'. Todavia, agora, grupos de intelectuais - quais profetas privilegiados com o acesso à voz divina - opõem-se à ideia de que, a propósito de um novo museu, este seja designado das 'descobertas', sinónimo em todos os dicionários de 'descobrimentos'. Haja paciência, que não a minha, para estes debates absurdos, banhados de raciocínios retorcidos que  intelectuais produzem em abundância; do mesmo jeito que a azinheira e o sobreiro produz a bolota, fruto de que o camponês alimenta os porcos.
No mundo globalizado, somos um país como outros. De actos criminosos tão recorrentes como violentos. Da luta entre taxistas e as plataformas de mobilidade, com destaque para a Uber. Da actividade financeira perversa e lesiva do interesse nacional, com o uso e abuso de 'off-shores' - também temos esse tipo de acomodação de capitais na Madeira. Dos 'hostels' e dos 'alojamentos locais' que expulsam, com chocante desumanidade, gente sem meios, em especial nos centros históricos de Lisboa e Porto. É a gentrificação, dizem os sociólogos. 
A especulação imobiliária não é um pensamento imaginário de consequências muito adversas, ao contrário do que diz o banqueiro Horta Osório. É mais do que provável a retoma do caminho para nova crise económico-financeira. 
Passos Coelho, admite o próprio, está pronto para voltar ao PSD/PPD, preparado para acabar o projecto neoliberal inacabado e extremado, de ir mais longe do que uma nova 'troika'. Insensibilidade social e ambição de poder são características de personalidade que não lhe faltam. Portugal, portanto, também tem um Trump, um Órban ou um Salvini à sua maneira. 
Que mundo espera Portugal amanhã? O do nacionalismo e da xenofobia? Talvez. Mas certo, certo é que, numa União Europeia, desconcertada e manchada por governos populistas, jamais se saberá o que esperamos do amanhã que desalenta. O amanhã das divergências agravadas em políticas de migração. O amanhã do 'Brexit' em impasse, cujos custos para o Reino Unido já se estimam elevados, mas que, para Portugal, também terá consequências duras, ao nível dos emigrantes e das transacções comerciais entre o nosso País e a Grã-Bretanha.
No mundo globalizado, como país pequeno, embora detentor de uma história distintiva, Portugal está subordinado à ordem mundial, mais ainda, obviamente, do que em tempos antigos da sua História. É tudo o que acima resumimos, na hora actual, o contexto do interface de Portugal com o Mundo. 


sexta-feira, 21 de setembro de 2018

PGR: a luta perdida pelo "Expresso"


Percebeu-se desde ontem à noite que este destaque, do 'Expresso' do último Sábado, não era uma informação idónea e responsável aos leitores. 
O "Acordo à vista para manter a PGR" seria obviamente entre o PR e o PM. Sem o mínimo respeito por quem o compra e lê, o 'Expresso' mentiu, perdendo a luta que vinha a empreender com o objectivo da recondução de Joana Marques Vidal no cargo de PGR por mais seis anos - doze anos são muitos anos.
Expressei, neste 'post', a opinião desfavorável a duplos mandatos na PGR, como em outros cargos de nomeação política. Entendi, e continuo a entender, que a longevidade própria de sucessivos mandatos no poder judicial, político ou qualquer outro são lesivos dos princípios democráticos. Não caí, todavia, na tentação de defender qualquer outro nome, muito menos a nova PGR, Lucília Gago, personalidade que, de todo, desconhecia.
Centrei a minha crítica na manipulação a favor de Joana Marques Vidal feita por grande parte de órgãos de comunicação social, encontrando-se, entre estes, o 'Expresso' pela mão dessa prodigiosa personagem de plasticina, chamada Ricardo Costa. 
A comunicação social, neste como em outros temas, está vinculada à obrigação da imparcialidade em relação a actos de exercício dos poderes normais, legítimos e democráticos do PR e PM. Poderá e deverá, no caso, escrutinar a prestação de nomeados, mas jamais lançar campanhas a favor ou contra A, B, C, ou D.
Para além de lembrar que, em 2013, a própria Joana Marques Vidal admitiu o exercício de um único mandato por ser extenso, chamei a atenção para noite de azia de Ricardo Costa, no 'Expresso para a Meia-Noite' de 17-09-2018. Como não bastassem os argumentos de Marinho e Pinto e João Araújo a contrariá-lo, ouviu-se da boca de Raquel Alexandra, hoje 'Constitucionalista' e ex-jornalista da SIC, que embora a CRP não estabeleça a não renovação do mandato de seis anos para o cargo de PGR, a recondução significaria que, na prática, se estava a considerar que o mesmo seria vitalício e não temporário.
O 'Expresso' sai claramente derrotado desta novela e o seu director, Pedro Santos Guerreiro, também não fica isento da derrota, ao permitir o enganoso título.
De resto, espero dos senhores jornalistas integridade e respeito pelos princípios democráticos e da nova Procuradora-Geral da República acções que estanquem a caótica e imunda quebra continuada do segredo de justiça pela imprensa em geral e o CM em particular.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

PGR: Joana vai, Joana fica

Em resposta ingénua e precipitada a uma jornalista da TSF, a MJ, Francisca Van Dunem, defendeu, em 2017, que o exercício no cargo de PGR de Joana Marques Vidal não seria renovado, por se tratar de um mandato longo e, portanto, único – a CRP, no Art.º 220.º, n.º 3, estabelece a duração de seis anos para o mandato em causa.
Por outro lado, parece-me oportuno lembrar que, em entrevista concedida à revista da Ordem dos Advogados no ano de 2013, a própria Joana Marques Vidal considerou explicitamente que “o mandato era de seis anos, não renovável.” Certamente que esta opinião induziu na Ministra da Justiça a ideia de que a própria procuradora tinha consciência de que não seria reconduzida. Havia a presunção em ambas do mesmo fundamento: mandato longo.
A nossa comunicação social, sempre insaciável por sensacionalismo e polémicas, apoderou-se do tema de forma virulenta, e muito pouco democrática diga-se, por forma a eliminar qualquer espécie de bom senso e de respeito mútuo em relação a quem pensa diferente.
O alvoroço tem sido diário e os artigos, em ambos sentidos, têm proliferado à grande e à francesa. Todavia, a opinião de jornalistas favoráveis à recondução de JMV é mais ruidosa e, destes, destaco José Miguel Tavares, do “Público”, e Ricardo Costa, do “Expresso”.
Ricardo Costa, um dos muitos ‘tudólogos’ que vagueiam por jornais e TV’s, no último ‘Expresso da Meia-Noite’, reagiu com desilusão à explicação da sua ex-colega da SIC, e hoje ‘Constitucionalista’, Raquel Alexandra, no sentido de, embora a CRP não impor a regra, a tendência era considerar a ideia de apenas um mandato temporário de 6 anos. De contrário, acrescentou, o cargo de PGR torna-se vitalício, sendo de nomeação política (PM+PR).
Deixemos, por ora, a discussão retórica e dialéctica. Reconduzamos o tema para a análise dos princípios democráticos. Os mandatos prolongados, seja no poder político, no poder judicial ou em qualquer outro, favorecem os interesses de lideranças de estilo pessoal e autoritário. Tendem a tornar-se egocêntricas, com um desempenho no primeiro mandato que tem como primeiro objectivo a renomeação, em lugar do respeito pelas obrigações decorrentes do interesse democrático e público.
Dois exemplos: Maduro e Erdoğan levaram ao extremo instrumentalizações de regras democráticas para concretizar um forte apego ao poder. Aproveitaram-se das vulnerabilidades das democracias que, por não serem férreas, permitem a exuberância e o autoritarismo conhecidos.
JMV não será um caso de igual preponderância, mas, na essência da renomeação, há contornos semelhantes e ficamos a aguardar um segundo mandato, e se a idade e vontade lhe permitirem, um terceiro - porque não? A choldra do CM, e outras que por aí se movimentam em roda livre, agradece o continuado desrespeito pelo segredo de justiça que, impune e provocatoriamente, é matéria fluorescente de noticiários, atraindo grandes audiências.
(Esclarecimento: por hábito, já sei que, para alguns, este texto é o pretexto para me colarem o rótulo de ‘socrático’. Será bom ver o que escrevi neste blogue sobre José Sócrates ou, em alternativa, este ‘post’ de 05-Fev-2013 sobre Ricardo Salgado.)

sábado, 30 de junho de 2018

"Estrebuchos" e afectos.


Trump estrebucha. Jüncker estrebucha. Merkel e Macron estrebucham. Putin estrebucha. Xi Jinping estrebucha. Todos os líderes estrebucham, excepto Marcelo. Ele ri, afaga, beija e consola, afectuosamente. Ou não fosse, 'ab initio', o Presidente dos afectos, sedimentados em risos e lágrimas. De alegria e dor, dito mais sinteticamente. 
De garganta desafinada, mas fervorosa no grito dividido por milhares, Marcelo entoou, no Rock in Rio, "A Minha Casinha" dos Xutos & Pontapés, em homenagem póstuma a Zé Pedro,  esse homem enorme, de corpo e de alma, com quem convivi há anos no Museu do Arroz. Justamente na ampla Herdade da Comporta, outrora dos 'Espiritos Santos' e hoje património de gente importante mas ignorada.
Hoje, com Portugal eliminado, o PR não estrebucha, mas também não aconchega ninguém. Ele próprio, católico e apostólico, está a sofrer. Juntar-se-á ao Eng.º Fernando Santos. O Prof. Marcelo não volta à Rússia.
'From Russia with paín', o Engenheiro Seleccionador e restante cambada, os que se equipam e jogam e aqueles que se engravatam e embolsam, estão de volta, cabisbaixos e vencidos pelo Uruguai, país minúsculo de 3,5 M de habitantes, vencedor de duas Olimpíadas de Futebol (1924 e 1928) e dois Mundiais (1930 e 1950). 
Com mágoa, Marcelo e Fernando Santos juntar-se-ão, durante a semana, na Igreja dos Salesianos, no Estoril, em missa do 1.º. do 2.º, do 3.º, do 4.º, do 5.º, do 6.º ou do 7.º dia, para orar e expiar os erros deles e de todos os 'Ronaldos', os melhores do mundo, que o humilde, abnegado e penitente povo venera, num planeta bem mais pequeno do que o mundo real imaginado.
A vida continuará para todos igual ao que era antes. Os pobres, entre estes os mais desgraçados, serão reconfortados nas carências pelos afectos de Marcelo. Seleccionador, jogadores e dirigentes da FPF serão alvos do "estrebucho" popular, sempre mais leve e impotente do que o de Trump, Jüncker & Cia. E nós? Regressamos, sem alternativa, à "minha alegre casinha, tão modesta quanto eu..."

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Águas de Março: os ‘hidro-sábios’ entraram em seca


‘Águas de Março’ é uma bela canção de Elis Regina. Vi-a e ouvi-a ao vivo, em jovem. O espectáculo realizou-se no, então, Cinema Roma, hoje ‘Fórum de Lisboa’. Considero Elis a melhor cantora brasileira, embora também tenha elevada admiração por outras e outros intérpretes, em especial os baianos da região de São Salvador, a cidade mais genuinamente portuguesa do Brasil.
No culminar deste intróito suave a propósito de um tema musical, aqui deixo um vídeo de ‘Águas de Março’ interpretado por Elis Regina:

O propósito deste ‘post’ é reflectir sobre os níveis de precipitação de chuva em Março de 2018 – teve e prevê-se ter continuidade em Abril. O mês anterior registou, como foi divulgado por entidades competentes, o maior nível de precipitação desde o período homólogo de 1931. Há 87 anos que não chovia tanto em Março.
A seca extrema e prolongada desde a Primavera de 2017, um dos factores facilitadores de incêndios e incendiários, gerou naturais preocupações para as gentes que, no interior idoso e escassamente povoado, vive da agricultura ou da agro-pecuária. É legítimo e exige soluções sérias e robustas do poder central. Há 40 anos que o interior do País se esvazia e envelhece. As novas infra-estruturas de maior monta foram as auto-estradas, co-financiadas por dinheiros europeus. Tornam-se em vias rápidas de evasão para os locais ou rotas de passagem para os urbanos do litoral.
No início da semana, percorri a estrada que ladeia a Barragem de Montargil. Verifiquei a água a níveis elevados. O mesmo sucedera dias antes no Maranhão, perto de Avis. Consultei o ‘site’ do Sistema Nacional de Informação dos Recursos Hídricos (SNIRH), confirmando que, à excepção da região Oeste e Sado, a situação das albufeiras no fim de Março de 2018 é bastante satisfatória.
A realidade e as especulações sobre a impossibilidade das albufeiras portuguesas recuperarem, este ano, para níveis de água elevados não poderiam ser mais contrastantes. Sobretudo, lembro-me de afirmações de jornalistas e de algumas figuras académicas a expressar extremadas opiniões caóticas, formuladas essencialmente com motivações de ordem político-partidária – como, de resto, sucedeu nos incêndios em que, segundo a TVI, alegadamente, houve um grupo de madeireiros a planear e a executar uma estratégia para atear incêndios, entre os quais a trágica destruição de 80% do Pinhal de Leiria. A Comissão Técnica Independente e os estudiosos e infalíveis especialistas que a compunham disseram tal coisa? Não!
Sabe-se que, devido a actividades poluentes em crescimento, a transformação climática a nível planetário é profunda. Há conhecimentos científicos, estudos e programas de acção (estes infelizmente frágeis) com o objectivo de proteger o planeta e a humanidade de transformações climáticas dramáticas e dos seus efeitos devastadores. Os temas da seca e da chuva, como outros fenómenos naturais, requerem seriedade e repudiam politizações grosseiras de ‘hidro-sábios’ que, felizmente, entraram em seca.

quarta-feira, 21 de março de 2018

O estrebuchar dos Hospitais Senhor do Bonfim (Vila do Conde)

acto de inauguração dos HSdoB - Manuel Agonia e Passos Coelho
 na Capela em 02-12-2014

O maior hospital privado do País está em agonia e em risco de encerramento em Abril próximo, anuncia o [Público], citando o Jornal de Negócios. Quem divulgou o caminho da tragédia foi o proprietário; por casual ironia, o senhor chama-se Manuel Agonia. Cada vez que escreve ou assina o nome, sofre pesada tortura.
O estado do Sr. Agonia é visivelmente de perturbação aguda. Desesperado, no ‘site’ do HSdoB está reproduzido um trecho de uma entrevista ao ‘Jornal Terras do Ave’. Foi categórico na defesa de extinção do Ministério da Saúde – e, pergunto, porque não a Organização Mundial de Saúde, assim como a Organização dos Médicos sem Fronteiras e todas as instituições, públicas ou privadas, que valem a doentes sem recursos para despesas de saúde?
Bom, vamos ao historial dos HSdoB. Na unidade, refere o ECO, foram investidos 100 milhões de euros, tendo sido inaugurada em 2 de Dezembro de 2014. Como a fotografia demonstra, lá estão o Sr. Agonia e o PM da ocasião, o Dr. Pedro Passos Coelho, hoje catedrático do ensino superior público (ISCSP).
O cenário seleccionado para ilustrar o acto foi uma capela. Poderia ter sido o bloco operatório, o laboratório de análises clínicas ou uma enfermaria. Mas não. A capela é o lugar crucial de qualquer hospital que prossiga o objectivo de prestação de cuidados de saúde, sobretudo a extrema-unção. O hospital, na óptica do Sr. Agonia, é um templo sagrado. Conquanto agnóstico, não resisto a citar o Padre António Vieira em o ‘Sermão do Mandato’ (1645):
“… o principal intento do Evangelho foi mostrar a ciência de Cristo, e o principal intento de Cristo mostrar a ignorância dos homens.”
Quanto à situação financeira, o Sr. Agonia alega que, há mais de um ano, o SNS é devedor dos Hospitais do Senhor do Bonfim. Acredito e as dificuldades de tesouraria agudizam-se pelo atraso de meses e meses da ADSE e outras instituições do Estado (um ano de atraso, penso). Sei desse tipo dificuldades, por experiência própria. São 500 mil euros que, argumenta, impediram o pagamento de salários dos meses de Janeiro e Fevereiro a 350 trabalhadores. Feitas as contas, e tomando por verdade que os citados 500 mil euros são a verba em falta para esses salários, conclui-se que o salário médio bruto dos HSdoB é de pouco mais de 714 mensais. Manifestamente escasso para profissionais hospitalares que incluem médicos, enfermeiros, técnicos de análises e de imagiologia, operadoras auxiliares e administrativos.
O que está em causa, acima da dívida inaceitável do Estado, é a sustentabilidade de uma unidade de saúde que foi projectada para facturar 44 milhões de euros anuais e, em 2017, viu esse valor ficar reduzido a 3 milhões. Estamos perante um investimento megalómano, sem a menor racionalidade económica, que, excluídos os doentes de convenções com Estado, no âmbito do SNS, não tem, de facto, a mínima sustentabilidade económica. Por que razão foi dimensionado com 549 camas, o dobro do Hospital da Luz em Lisboa? Por pura incompetência na concepção e realização do projecto. É o resultado dos empresários ambiciosos e impreparados que temos, assim como dos técnicos do projecto contratados.
Sugiro que o Sr. Agonia se aconselhe junto do Dr. Passos Coelho, agora catedrático de ‘Administração Pública’. Terá a receita milagrosa para solucionar o problema.
O Estado é sempre o alvo de acusações de empresários incompetentes, mas não compete aos contribuintes pagar asneiras dessa gente, muito menos da dimensão daquela que ditou a agonia do hospital do Sr. Manuel Agonia.
Termino com uma confissão: estou, de facto, demasiado agoniado com este caso e a forma como a comunicação social o trata.

terça-feira, 20 de março de 2018

UBER e o acidente da ‘Inteligência Artificial Estúpida’


Segundo se lê na imprensa portuguesa, mas também em ‘The New York Times’, a controversa UBER, a par de outras empresas, decidiu desenvolver um programa experimental de recurso a viaturas de condução automática (self-driving, em inglês). Resultado: uma dessas viaturas, em certo cruzamento da cidade de Tempe, no Arizona, colheu e matou uma senhora.
Sem qualquer interesse na defesa dos tradicionais táxis, onde, reconheço, há uma falta de educação crónica e generalizada de condutores, confesso não ser amante da UBER ou de qualquer outra plataforma do género. Com demasiada frequência, e em especial sobre a UBER, tenho-me deparado com notícias negativas: divergências a nível dos órgãos sociais no centro do poder da companhia nos EUA; mau funcionamento e exploração dos motoristas denunciados por jornais prestigiados norte-americanos; violação na forma concretizada de uma passageira na Índia por parte do motorista; vários actos de violação na forma tentada em outros países. Enfim, um role de casos repugnantes, que ficou alongado com o triste acidente no Arizona.
O objectivo mais desejado da UBER, sabe-se, é maximizar o lucro. Carros sem condutor traduzem-se na eliminação de custos e postos de trabalho. Como teorizou Thomas Pikkety, em ‘O Capital do Século XXI’, dos poucos trabalhadores a furtarem-se à desigualdade de rendimentos, contam-se os qualificados, em particular os que vivem de actividades nas áreas das novas tecnologias. Todavia, é preciso tomar em atenção que grande parte das mais-valias duráveis e aplicadas nos bens produzidos, neste caso carros sem condutor, são transmitidas a favor dos investidores, como rendimento de capital crescente.
O acidente em causa é, acima de tudo, um acontecimento trágico para quem morreu, familiares e amigos. Igualmente dramático é aquilo que significa ainda o desvario da ganância do capitalismo actual, na procura de obter rendimentos ainda mais elevados através da supressão de postos e de baixos rendimentos de trabalho.
Agora falamos de um carro de condução automática, multiplicando-se a extinção do trabalho humano através de outras viaturas do género, de equipamentos e sistemas tecnológicos sofisticados e em particular da robótica. É a vaga da Inteligência Artificial que, no Arizona, se revelou dramaticamente estúpida (como estúpido é o diálogo entre o robô Sofia e Cristiano Ronaldo, no anúncio da MEO, agora recorrente nas TV’s).
O brilhante físico Stephen Hawking, falecido há dias, na última ‘LIsbon Web Summit’, deixou uma advertência séria, de ameaça de riscos graves para a humanidade. Já não nos limitamos apenas ao caso da morte do Arizona ou à substituição de postos de trabalho por robôs. Com total transparência, Hawking, entre outras considerações, deixou o aviso:
É útil ler o texto da CNBC, no qual se referem os perigos da ‘Inteligência Artificial’, entre os quais os riscos de armas autónomas, de destruição maciça. Foi um dos últimos legados do ilustre sábio, Stephen Hawkings, ao mundo, em especial a cidadãos conscientes e a políticos que, a meu ver, desvalorizam a complexidade do tema.