quinta-feira, 1 de junho de 2017

“Turistificação” (1) e descaracterização das grandes cidades portuguesas

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"A cidade pode ter os turistas,
mas os turistas não podem ter a cidade"
DOUG LANSKY, no Green Project Awards /Lisboa

Lisboa e Porto, em especial nas zonas históricas, estão submetidas a um intenso processo de "turisficação" (1) e gentrificação, inimaginável há uns pares de anos atrás - os centros das duas principais cidades, à noite, eram locais desertos e considerados de risco. 
Sou lisboeta, filho de lisboetas. Vou concentrar-me nos problemas do turismo e do comércio antigo na capital, realidade que conheço melhor. Todavia, o que escrevo em relação a Lisboa aplica-se, em grande parte, ao Porto. Nada de rivalidades mesquinhas.
Estou de acordo com Fernando Medina em algumas questões, mas, no meio das minhas divergências com o autarca, destaco a actividade do turismo em Lisboa. Rendeu em quatro anos, disse ele, 6,3 mil milhões de receitas e criou 80.000 postos de trabalho. 
Trata-se, a meu ver, da estafada argumentação economicista dos números. E então as pessoas? Mesmo dos 80 milhares de postos de trabalho citados, resta saber qual o peso dos precários pagos com o salário mínimo. Basta percorrer a Rua das Portas de Santo Antão, entre o Rossio e o Coliseu, e, como disse alguém em reunião em que estive presente, ver que a maioria dos trabalhadores da restauração, a convidar quem passa para se sentar, é constituída asiáticos. Não se trata de um julgamento xenófobo, mas apenas o sintoma de que no sector,  beneficiário do turismo, abunda a mão-de-obra barata.
Há algum tempo, eu e a minha mulher, como habitualmente, dirigimo-nos ao Restaurante Pessoa  (Ruas dos Douradores/Santa Justa) - a cabidela de galo à 6.ª feira era (era, porque já não é) uma excelente pitança. Demos de caras com o restaurante fechado. Alguém nos informou que iam instalar um hostel no prédio. A Mercearia Alves, à entrada de Alfama pelo lado de São João da Praça, também fechou definitivamente. Duas lojas históricas encerradas de uma assentada.
Chegou o tempo, a meu ver, dos poderes central e local tomarem iniciativas corajosas e eficazes para preservar lojas históricas. Bem sei que, há semanas, recebi uma mensagem a divulgar que a CML se tinha empenhado na manutenção de 80 lojas históricas. É pouco, muito pouco, numa cidade em que, se fosse exaustivo, poderia listar dezenas e dezenas daquelas que entretanto desapareceram.
Tem de haver um equilíbrio e medidas que impeçam a praga dos hotéis e hostéis em Lisboa. Basta! Há que respeitar o património urbano histórico, no qual o comércio tradicional se integra, para Lisboa preservar o que resta da sua identidade, tão severamente ameaçada pela invasão de residentes permanentes ou de ocasião nas zonas históricas - mas, deste aspecto, habitação e população, tratarei em 'post' específico.

(1) "Turisficação" é uma palavra precisa, criada pelo Prof. Rio Fernandes, catedrático da Faculdade de Letras do Porto.




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