Infelizmente, parte considerável dos taxistas, no dia-a-dia, já criam muitos
anticorpos a passageiros. Os líderes associativos, da Antral e da Federação
de Táxis, demonstraram nas intervenções de ontem estarem mais sintonizados com a
citada parte podre, não revelando estofo e capacidade de argumentação para defesa
sólida das causas motivadoras da manifestação de ontem.
O tom e a forma dos protestos, bloqueio de acessos ao Aeroporto de Lisboa,
actos de destruição de carro da Uber, insultos e agressividade constituíram atitudes
de auto-flagelação. Uns e outros, taxistas de mau porte e dirigentes incapazes,
acabaram naturalmente por desperdiçar a oportunidade de colher apoios e
compreensão da opinião pública. De facto, foi uma jornada de auto-flagelação.
Uns tantos temas, caso tivessem sido objecto de sólida argumentação pelos representantes
dos taxistas, evidenciariam a existência de razões que lhes assistem.
Por exemplo, o secretário de Estado, J. Mendes, a certa altura comparou a
concorrência entre a Uber e Cabify, por um lado, e os táxis, por outro, sustentando
que era do mesmo género daquela entre cabeleireiros e pastelarias (programa ‘Pós
e contras’ da RTP1). Este raciocínio absurdo não foi desmontado. Todas as
pastelarias estão no mercado a competir segundo as mesmas leis de licenciamento
e funcionamento, coisa que não sucede entre as plataformas e os táxis – as plataformas,
diga-se, ainda nem sequer actuam ao abrigo de qualquer lei.
A facilitação do trabalho precário por parte dos operadores das plataformas
face à legislação laboral vigente no sector dos táxis é outra desigualdade intolerável,
com a agravante do governo declarar, através do PM e ministros, o propósito de
combate ao trabalho precário.
As ligações da Uber ao maldito Goldman Sachs são reais (ver
aqui). É do conhecimento geral que tal império financeiro não é
propriamente um modelo de instituição idónea. Nada foi dito.
A parte de 25% cobrados pela Uber aos operadores é demasiado elevada e,
naturalmente, será mais uma parte do rendimento nacional transferido para o
estrangeiro.
O conceituado ‘The New Yorker’, embora sob a vertente da concorrência entre uma
nova plataforma Juno e a Uber em New York, trata o caso de forma exaustiva e do
extenso artigo traduzimos o seguinte trecho:
“[…] Os condutores souberam que a comissão de Juno era de dez por cento, "garantido para nossos primeiros vinte e quatro meses." (Uber normalmente cobra vinte e cinco por cento ou mais.) Em um a slide, intitulado "Exemplo de percurso", um gráfico de barras mostrou uma comparação entre um condutor da Uber e outro da Juno num percurso de trinta dólares: o condutor da Uber, após a comissão e os impostos e taxas, manteria $19,11, enquanto o motorista Juno receberia $23,61. "Para literalmente a mesma quantidade de trabalho, levas para casa quatro dólares mais." Smith disse e acrescentou: "E isto para um serviço. Pense em dez anos, mais de vinte anos."
Certamente, um dia, a Juno virá para a Europa e, aí sim, Uber e Cabify
terão concorrência de peso. Se parte dos industriais de táxi tiverem uma visão
estratégica e conseguirem descaracterizar e renovar as frotas, assim como
seleccionar motoristas de elevado perfil, talvez possam tirar partido do
ingresso da Juno no mercado português.